Crítica | A Balada de Buster Scruggs

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 15 de fevereiro de 2019

Ethan e Joel Coen são uma dupla que dispensa apresentações. Vencedores de quatro Oscars, os cineastas são responsáveis por alguns dos maiores clássicos modernos, como The Big LebowskiBarton Fink e Fargo. Conhecidos por um humor ácido muito particular, eles também se utilizam de seu domínio sobre as narrativas para realizar uma espécie de revisionismo quanto a convenções cinematográficas. Em Miller’s Crossing o fizeram com o cinema de máfia, em Fargo com filmes policiais e em Bravura Indômita com o gênero Western. No último caso, o desbravamento do oeste estadunidense é desmistificado graças a uma problematização da extrema violência do evento e um honesto revisionismo sobre os envolvidos (subvertenda a figura “heróica” do cowboys da época). Em 2018, eles parecem buscar o mesmo em A Balada de Buster Scruggs, mas esquecendo o que fez o esforço anterior funcionar.

Em seu último lançamento, os Coen contam seis histórias do velho oeste que mais parecem episódios de uma série antológica de TV, de tão desconexas que são. Aliás, é o que deve ser mesmo, já que o filme foi pensado para ser uma série. De qualquer forma, as peças deixam a desejar, principalmente porque não há muita profundidade nos argumentos trazidos, nos fazendo perguntar se os Irmãos Coen estavam tentando dizer algo ou simplesmente brincando de John Wayne. É difícil identificar um foco ou uma proposta específica no que está sendo colocado em tela, tornando a experiência por vezes confusa ou frustrante.

Pelo menos boa parte das histórias diverte (com exceção da última, que é extremamente monótona). O destaque vai para a primeira, que mescla o estilo bang-bang com o gênero musical. Neste segmento, Tim Blake Nelson interpreta um pistoleiro encrenqueiro que gosta de cantarolar – e ele brilha no papel. Aqui também é onde mais identificamos a essência dos Irmão Coen, com uma excentricidade desconsertante, trazendo a sensação de que algo está terrivelmente errado por trás daquele cenário artificial e inocente. Quando a violência surge, o contraste fica aparente, tornando os elementos lúdicos e fantasiosos ainda mais engraçados.

A história Near Algodones, sobre um assaltante de bancos (interpretado por James Franco), conta com momentos icônicos, mas nada muito particular quanto à trama ou execução. A seguinte é Meal Ticket, com Liam Neeson e Harry Melling, e parece ter sido feita sob medida para nos emocionar, mas a tentativa é tão aparente que perde o efeito. De positivo fica a óbvia – mas interessante – mensagem sobre a frieza do mercado, refletida pela bela e nebulosa fotografia. É um dos poucos segmentos com alguma precisão no que tenta comunicar, ao lado de All Gold Canyon, que tem temática parecida. A diferença principal está na forma como são contadas, sendo que na segunda é mais explorada a pura relação entre homem e natureza, denunciando a perversão da mesma por interesses egoístas. A fotografia paisagista do capítulo está entre as mais belas do filme, parecendo uma sequência de cartões postais (no bom sentido).

Por outro lado, temos segmentos que tropeçam demais ao longo da execução. The Gal Who Got Rattled, protagonizado pela excelente Zoe Kazan, explora o doentio senso de humor da vida de forma um tanto arrastada, além de ofensiva no que diz respeito à representação dos nativo-americanos. A cena do confronto final, apesar de bem-coreografada e filmada, mais parece algo tirado de um western antigo pela falta de senso crítico na retratação dos indígenas. Esse só não é pior do que The Mortal Remains, que nos oferece longos minutos de caricaturas falando sobre temas profundos em diálogos bem desinteressantes. Parece um compilado de falas tiradas de um caderno de poesias de um universitário – o que pode ser bom para muitos, mas não para o crítico que vos fala. As cenas precisariam de um pouco mais de inventividade para serem consideradas interessantes. Ao invés disso, acabamos com alguns planos e contra-planos dentro de uma carruagem (com diálogos e atuações nem um pouco tarantinescas).

Os maiores elogios que podem ser feitos ao filme são no que diz respeito às especificidades técnicas. Além da já mencionada fotografia de Bruno Delbonnel – que é bastante versátil e plasticamente bela – temos um design de produção e uma direção de arte impecáveis. É uma réplica perfeita do velho oeste, sem a preocupação de parecer realista. A música também é bem vívida e o elenco bastante talentoso, repleto de rostos conhecidos (o que pode ser distrativo às vezes).

Então, entre altos e baixos, A Balada de Buster Scruggs tenta trazer alguma dose do inteligente revisionismo dos Coen sobre o cinema (mais particularmente o gênero western), mas de forma muito difusa, parecendo mais uma paródia do que já fizeram. É o trabalho mais fraco deles em anos, mas vale uma conferida para quem é fã. Pelo menos o primeiro capítulo, que dá o nome ao filme, merece ser visto.

Crítica | A Balada de Buster Scruggs
Apesar do bom elenco e da fotografia impecável, A Balada de Buster Scruggs não propõe nada de novo ou particularmente interessante, simplesmente existindo por existir, como uma bola de feno no deserto.
2.5

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