Crítica | A Morte de Stalin

Escrito por: Gabriel Santos

em 11 de junho de 2018

A campanha de marketing de A Morte de Stalin com a frase “Você vai morrer de rir” deixa claro que o filme se trata de uma comédia de humor negro. A proposta do diretor Armando Iannucci é perigosa, mas ao mesmo tempo corajosa, daquelas que podem dar muito certo ou muito errado. Fazer uma comédia sobre a morte de alguém pode ser considerado algo de caráter duvidoso, principalmente se estivermos falando de uma figura como Stalin. Felizmente, a ideia funciona muito bem e a proposta fica clara desde a primeira cena.

Baseado em uma HQ homônima de Fabien Nury e Thierry Robin, o longa aborda a briga pelo poder na União Soviética após a morte de seu líder, Stalin. O grande diferencial é a forma como a trama é contada, pois se aproveita dos furos e mistérios desse período para recriar a história de uma maneira que as coisas, mesmo absurdas, façam sentido.

Apesar de ser uma comédia, não confunda A Morte de Stalin com um besteirol ou um humor pastelão. Este recurso é usado de forma muito inteligente, principalmente através de diálogos afiados e sempre de forma crítica, graças a seu roteiro. A produção não tenta nos fazer rir a todo momento, mas é pontuada com situações tragicômicas.

O longa chama a atenção do público pelo comportamento dos seus personagens. Eles agem e falam de forma inesperada, principalmente por serem parte do comitê de Stalin e estarem inseridos no meio de uma tensão política. A comédia surge pelas suas reações divergentes ou exageradas dentro daquele contexto, e ajudam a construir a personalidade de cada um.

Os defeitos dos personagens são mais acentuados que suas qualidades, por sua vez, quase inexistentes. A hipocrisia, a falsidade e a ganância são alguns dos exemplos dos traços de caráter que são vistos e criticados. Outro alvo de críticas é o próprio sistema totalitário daquele período na União Soviética.

O elenco é um dos acertos, já que grande parte do humor vem da atuação. Ao mesmo tempo em que os atores interpretam pessoas que realmente existiram, existe liberdade em criar diálogos e acontecimentos que provavelmente não aconteceram, mas que funcionam dentro da proposta. Um dos destaques é a atuação cativante de Steve Buscemi, que vive Nikita Khrushchev. Em certos momentos nos vemos torcendo pelo personagem, apesar dele não ser exatamente um herói.

Um dos problemas, principalmente para aqueles que não estão familiarizados com o contexto histórico, é o grande número de personagens. Não existe um protagonista na trama e as pequenas participações – que não são poucas – acabam gerando uma grande quantidade de nomes complicados para se acostumar, como Lavrentiy Beria, Vyacheslav Molotov e Comrade Andreyev.

Por um lado, aqueles que não conhecem a história ainda podem apreciá-la sem problemas. Porém, os que contam com um maior entendimento sobre aquele período podem encontrar referências e acontecimentos que deixam o longa ainda mais rico.

Outro elemento que vale a pena destacar é a música. Além da trilha original, que faz menção ao exército e à um regime totalitário, as escolhas criam um contraponto ao que está sendo mostrado na tela. Elas fazem parte da ironia do filme, que não está apenas no fato dele ser uma comédia sobre a morte de uma pessoa.

Apesar disso, o último ato acaba esquecendo um pouco de seu humor ácido e trata os acontecimentos com mais seriedade. Há uma quebra do tom que estava sendo usado para que a história seja concluída com uma certa neutralidade.

Se não fosse pela proposta, A Morte de Stalin poderia ser um drama histórico soviético. A recriação da época é muito bem construída, através de figurino, cenografia, ambiente e fotografia. Por outro lado, o longa é todo falado em inglês, o que pode causar um certo estranhamento para aqueles que buscam uma maior fidelidade.

A Morte de Stalin é inteligente, ácido e tem muito o que dizer nas entrelinhas. Não é uma produção que estamos acostumados a assistir, se tornando uma ótima surpresa para os fãs do gênero.

Crítica | A Morte de Stalin
A Morte de Stalin é uma comédia que nos faz rir da tragédia, explorando o pior da humanidade em um roteiro crítico e afiado.
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