Crítica | Atlanta – 1ª Temporada

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 25 de dezembro de 2017

Você sabe quem é Donald Glover? Muitos devem conhecê-lo pelo seu nome de rapper, Childish Gambino, com sucessos como Sweatpants ou Redbone. Quem não é muito chegado a música, pode reconhecê-lo pelas participações nos filmes Perdido em Marte, ou Homem-Aranha: De Volta ao Lar. Se acompanha as notícias de cinema, deve saber que ele é uma das próximas grandes apostas de Hollywood, tendo ganho papéis icônicos, como o de Lando no filme do Han Solo, e o de Simba, na versão live-action de Rei Leão. Mas ele é muito mais do que um ator, ou cantor… Donald Glover é um artista completo.

Nenhum trabalho dele evidencia mais o seu talento do que Atlanta, série que ganhou Globo de Ouro de Melhor Comédia e Emmys de melhor direção e ator em comédia. Quem recebeu todos esses prêmios? Sim, Donald Glover. Ele é a mais nova banda de um homem só da TV, e se todos esses prêmios servem para alguma coisa, é para chamar atenção para o que ele tem a dizer. No caso, ele tenta passar, de maneira suave, um pouco de sua experiência como um jovem negro nos Estados Unidos.

A primeira temporada é curta: São dez episódios de aproximadamente 20 minutos. Além disso, a trama é bem simples: Earn (Glover) tenta ganhar a vida como empresário de seu primo, o rapper Paper Boi (Brian Tyree Henry). Ainda assim, o criador da série consegue tecer um comentário social contundente. Como ele faz isso? Apostando em histórias, por vezes inconclusivas, outras vezes desconexas, mas sempre divertidas.

Mesmo quando apresenta questões mais sérias, o roteiro não abre mão de dar destaque para as preocupações individuais de seus personagens. É uma abordagem extremamente incomum nos produtos audiovisuais que trabalham com a mesma temática. Na maior parte das vezes, os personagens servem como um veículo para debater problemas sociais, reduzindo-os a estereótipos. Em Atlanta, o foco é na vida de jovens que, sim, passam por dificuldades comuns a grande parte da população afro-americana, mas não deixam de ter suas peculiaridades.

Não é por isso que a série ignora as questões sociais. Muito pelo contrário, elas estão sempre presentes. Porém, o discurso não parte de fora para dentro, mas de dentro para fora. Donald Glover não se coloca na posição de representante de uma causa, mas oferece uma visão bem particular e modesta. Esta abordagem despretensiosa é refrescante, e garante momentos de lirismo, mesmo em contextos mais tensos. Glover troca um discurso englobador, muitas vezes vago e desumanizante, pelo seu próprio.

Um episódio que aborda de maneira mais evidente o conflito entre essas duas visões é o Juneteenth. Nele, Earn e Van (Zazie Beetz), sua eventual namorada e mãe de sua filha, são convidados para um jantar comemorativo no Juneteenth, feriado em que os estadunidenses comemoram a abolição da escravidão nos estados confederados. Os anfitriões são uma amiga de Van e seu marido, um branco obcecado pelo movimento negro. Constantemente, durante o evento, ele perturba Earn e os outros convidados com todos os clichês típicos de um acadêmico pedante, que vão de citações mal-colocadas, a descaradas demonstrações de apropriação cultural. Sua vontade de se vender como uma pessoa de mente aberta e compassiva é tão intensa que atropela o convívio com as pessoas pertencentes ao contexto do qual é, aparentemente, um entusiasta. É um dos episódios mais expositivos da série, sendo assim, o que melhor resume sua posição neste debate intenso sobre as relações raciais nos Estados Unidos.

Mas, é claro, ninguém é obrigado a concordar para aproveitar a série, pois seus atrativos vão muito além disso. A Atlanta da série, apesar de urbana, flerta com o fantasioso, através dos personagens excêntricos e as diversas liberdades que o roteiro toma. As bizarrices ajudam o telespectador a comprar o universo próprio e mítico de Glover e, com isso, suas teses sobre questões mais polêmicas. O elenco é fundamental para essa proposta, com seu impecável timing para comédia. O grande destaque, nesse quesito, é Brian Tyree Henry. Acredite, depois de assistir a essa série, Paper Boi é um nome que você dificilmente esquecerá.

Em termos de estrutura narrativa, não há uma continuidade entre a maior parte dos episódios, ou um modelo específico. O mesmo acontece na direção. O tom varia de acordo com o diretor. Hiro Murai, que dirige sete episódios, é o mais contemplativo, curtindo todos os elementos surreais inseridos. Já Donald Glover, nos dois episódios que dirige, adota um rítmo frenético, mais por conta das especifidades dos mesmos. O episódio B.A.N., pelo qual ganhou o Emmy, é disparadamente o mais disperso. Sem entregar muito, parece que você está assistindo a outra série (ou canal). Janicza Bravo dirige o Juneteenth, que é o episódio mais rico em termos de direção de arte. Ela explora muito bem a ambientação e os diferentes elementos expostos, traduzindo visualmente para o telespectador a sensação de constrangimento que os protagonistas deveriam estar sentindo no evento.

No final das contas, o maior mérito de Atlanta é nos aproximar de um tema tão distante para muitos, algo difícil (se não impossível) de se fazer através de um melodrama ou uma tese elaborada sobre as injustiças do mundo. É um poderoso desabafo e um simpático convite de um dos artistas mais talentosos de sua geração. Independentemente de sua raça, gênero ou convicção política, a série permite um diálogo de igual para igual com o autor, e não de cima para baixo, ou de baixo para cima, como normalmente acontece.

Crítica | Atlanta – 1ª Temporada
Atlanta apresenta questões sociais relevantes de maneira leve, despretensiosa e divertida.
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