O último episódio da quinta temporada de Black Mirror nos apresenta uma trama bem diferente da que estamos acostumados, mostrando que ainda é possível explorar muitos gêneros diferentes na série, inclusive um drama adolescente. Ele pode ser dividido em duas partes, sendo a segunda bem mais cativante e “Black Mirror” que a primeira.
Nesta história, acompanhamos Rachel (Angourie Rice), uma garota solitária no colégio que é grande fã de Ashley O (Miley Cyrus), uma cantora pop adolescente. Nossa protagonista conta com a ajuda da boneca Ashley Too para acreditar em si mesma e lidar com sua irmã implicante, Jack (Madison Davenport).
A partir dos elementos acima, parece que o episódio se trata de um filme adolescente da Disney, mas o roteiro de Charlie Brooker vai ainda mais fundo. Sem estragar as surpresas, ele se apropria de uma trama jovem ingênua para trabalhar conceitos atuais da indústria cultural. Um deles gira em torno da forma como as estrelas pop mantêm uma imagem perfeita em frente às câmeras, quando, na verdade, vivem uma realidade completamente diferente e, muitas vezes, cruel.
A sacada de colocar Miley Cyrus como Ashley O é muito boa, pois a cantora também viveu essa vida na época de Hannah Montana. A escalação é um acerto excelente e dá a cara para o episódio. Além de ser responsável por ótimos números musicais, Miley também convence como Ashley e dá muito carisma à Ashley Too, a boneca tecnológica. Por falar nela, mesmo com poucas expressões e movimentos, ainda rouba a cena sempre que aparece.
Quem também se destaca são as irmãs Rachel e Jack, que demonstram ter muita química juntas. Enquanto a primeira revela ser sonhadora, a segunda é mais “pé no chão”. Essas personalidades distintas rendem boas discussões que se intensificam após a compra da boneca. O mais interessante é que ambas contam com argumentos válidos, defendendo se aquela tecnologia é prejudicial ou não. É muito difícil defender um lado, mesmo que Rachel seja a protagonista.
Ainda vale mencionar a empresária Catherine (Susan Purfar), que funciona como uma madrasta má dos contos de fada, com uma personalidade ambiciosa e venenosa o suficiente para se tornar a vilã. Em alguns momentos, ela parece caricata demais, destoando do resto dos personagens, mas pode ser algo proposital e não chega a incomodar.
Assim como em Black Museum, da temporada passada, esse episódio também é um prato cheio para os fãs da série quando o assunto é easter-eggs e referências. Entre eles, temos lugares, como o próprio Black Museum e o hospital St. Juniper, além do lançamento do jogo Striking Vipers. Os fãs de música também ficarão satisfeitos com menções que vão de Leonard Cohen à banda Savage.
Além da boneca Ashley Too, este episódio também apresenta diversas ideias de tecnologia interessantes para a indústria cultural. Algumas realmente seriam interessantes de ver na vida real e estão próximas de se concretizar, enquanto outras são mais assustadoras e preocupantes, bem ao estilo da série.
Rachel, Jack and Ashley Too é bem diferente do que estamos acostumados em Black Mirror, mas de um jeito bom. A escolha do elenco e o carisma das personagens – incluindo a boneca – sustentam a história, com destaque para a segunda parte, onde as coisas realmente engrenam. O lado musical também é bom o suficiente para grudar na cabeça e nos fazer ficar um pouco mais durante os créditos para cantar junto.