A Netflix vem explorando recentemente o uso de histórias interativas em seu catálogo, como em Minecraft: Story Mode. Mas o maior destaque, sem dúvidas, é Black Mirror: Bandersnatch. Afinal, existe experiência mais “Black Mirror” do que controlar as escolhas da história que assistimos?
Dirigido por David Slade, o filme gira em torno de Stefan Butler (Fionn Whitehead), um jovem que fica obcecado com a programação de um novo jogo, inspirado em um livro que ganhou quando era criança. Assim como a própria narrativa, o game criado por Stefan – que dá nome ao título – também progride baseado nas escolhas do jogador.
As metalinguagens não terminam por aí, pois o mais interessante do filme é que o protagonista passa a perceber que suas ações estão sendo controladas por alguém, o que deixa a história cada vez mais divertida de se acompanhar. O ápice dessa dinâmica está quando o usuário decide explicar para Stefan o que é a Netflix. Ainda é possível notar diversas referências à série original, como o poster que faz alusão ao episódio Metalhead, da quarta temporada (também dirigido por David Slade) e o símbolo usado no episódio White Bear, da segunda temporada.
Aqui, o recurso da escolha é feito com duas opções que vão de alternativas banais, como o que comer no café da manhã, até decisões-chave para o desenrolar da trama. Tudo é feito de maneira bem orgânica e fluida, sem que o espectador perceba que há um corte, resultado de um excelente trabalho da montagem.
As comparações com jogos de videogames ao estilo de Detroit: Become Human são inevitáveis. Agora em live-action, esta é uma forma de entretenimento que tem muito futuro pela frente e pode ser explorada de diversas maneiras, pois agora sabemos que a tecnologia permite isso. Quem sabe a Marvel não pensa em uma história do Deadpool nesse estilo?
Apesar de ser legal brincar de Deus por uma hora e meia e ser interessante a quebra da quarta parede, o público não precisa necessariamente seguir essa linha. Ainda há a possibilidade de explorar a história do personagem, cheia de reviravoltas, entre os cinco finais existentes. Uma das discussões abordadas, que também tem a ver com a questão da interatividade, é se questionar se realmente temos livre-arbítrio. Entre as metáforas, são sugeridos até mesmo Pac-Man e o fato dele estar preso em um labirinto com seus próprios fantasmas.
Um dos pontos interessantes com relação à conclusão é que a própria Netflix estimula o espectador a assistir outros finais. Quando terminamos a história é aberta a opção de explorar novas resoluções, onde a trama é recontada como um “Anteriormente” (comum em séries) até chegar no momento em que o final pode ser alterado. Porém, mesmo com tantas opções, ainda há caminhos obrigatórios, o que pode ser frustrante para alguns.
O filme também chama atenção pelas suas atuações, com destaque para Fionn Whitehead (Dunkirk), que carrega muito bem o filme como protagonista. Ele nos faz acreditar que realmente o estamos controlando e entramos na mesma piração que ele vive ao tentar terminar o jogo no prazo.
Ambientado nos anos 80, Bandersnatch explora a época pelas músicas – que podem ser escolhidas pelo público – assim como roupas e maquiagem. Mas o foco está na paleta cinzenta da cidade e o estilo de vida “nerd”, focado em jogos eletrônicos. Ainda podemos notar um tom voltado para o psicológico, onde acompanhamos o protagonista ficar cada vez mais obcecado com a programação do jogo. Consequentemente, com o tempo temos sequências cada vez mais alucinantes e surreais, que combinam com a proposta.
Black Mirror: Bandersnatch é um grande acerto da Netflix, que conseguiu combinar uma de suas séries de maior sucesso com um recurso que funciona perfeitamente. Diria até que a história não se sustentaria se não fosse pela interatividade com o público. Esta forma de entretenimento veio para ficar e deve ganhar mais títulos como esse no futuro. É uma experiência que vale a pena.