Crítica | Bright

Escrito por: Gabriel Santos

em 23 de dezembro de 2017

A Netflix vem investindo cada vez mais em produções originais para sua plataforma, e isso significa que a diversificação desse conteúdo também aumenta. Uma das grandes promessas para 2017 era Bright, o primeiro blockbuster do serviço de streaming, estrelado por Will Smith.

O filme já chama atenção pela proposta de misturar o estilo buddy cop com elementos fantasiosos, como orcs, fadas e elfosInfelizmente, mesmo que a ideia seja ótima, a execução deixa a desejar. Não é como se este fosse o pior filme de 2017, mas é decepcionante ver um resultado tão medíocre para uma proposta tão diferente.

A escalação de Will Smith como protagonista faz sentido, já que ele tem experiência nesse tipo de filme por ter feito excelentes papéis em MIB: Homens de Preto e Bad Boys. O fato dele interpretar, neste caso, um policial preconceituoso quanto ao seu parceiro orc, é particularmente interessante. Existe um paralelo evidente entre como os orcs são vistos pela sociedade no filme, e o racismo contra os negros na vida real.

Sua dupla é o orc Nick Jakoby (Joel Edgerton), que deixa a desejar pela falta de carisma. Existe uma tentativa de criar uma espécie de Drax, de Guardiões da Galáxia: o deslocado que não entende as piadas. Porém, suas reações e comentários fazem parecer que o próprio ator está deslocado no papel.

Isso fica mais evidente quando a dupla protagonista está junta em cena, que é praticamente durante o filme inteiro. É perceptível a falta de química entre os atores (principalmente em comparação a outros filmes buddy cop), que prejudica a dinâmica entre os personagens. Os momentos que deveriam ser os mais divertidos, como as conversas dentro da viatura, acabam resultando em piadas soltas, forçadas ou fora de contexto.

Um dos acertos na produção está no excelente trabalho da maquiagem, que merece até indicação no Oscar. Os orcs, com destaque para o personagem Jakoby, são muito orgânicos em suas ações e na expressão facial. A equipe responsável foi a mesma de Esquadrão Suicida, que inclusive ganhou um Oscar nesta categoria. Sem dúvidas, foi um recurso bem mais eficiente do que qualquer CGI.

Bright se passa num mundo fictício, onde a fantasia está estabelecida. Não existe estranhamento por parte dos personagens em lidar com seres que parecem ter vindo de um conto de fadas ou conversar sobre uma varinha mágica (varinha de condão foi outro termo utilizado). Isso é quebrado através de alívios cômicos, que em 90% dos casos não funcionam e atrapalham a condução da história. A maior parte das piadas aparecem fora de hora e destoam do tom proposto inicialmente.

O longa conta com quase duas horas de duração, mas poderia ser resolvido com pelo menos 20 minutos a menos. Na maior parte do tempo, os personagens estão correndo de um lado para o outro impedindo que um artefato mágico caia nas mãos erradas. Por um lado, isso deixa o filme mais frenético, mas acaba se tornando repetitivo e previsível depois de um tempo.

Um dos pontos mais problemáticos da trama é o excesso de personagens. Chega um momento em que temos policiais, agentes federais, orcs, gangsters e elfos do mal atrás da nossa dupla protagonista. Todos os personagens que fazem parte desses grupos são subaproveitados. Mesmo com duas horas, o filme não dá conta de desenvolver quem são ou tentar dar alguma personalidade a eles. Isso é visto apenas na relação entre os orcs e Jakoby.

A vilã principal, interpretada por Noomi Rapace, também decepciona. Ela não recebe o tratamento devido durante o decorrer da trama, e quando finalmente ganha destaque, as coisas acontecem muito rapidamente. Em nenhum momento a vemos como uma ameaça, mesmo que tenha em mãos algo que pode realizar qualquer desejo.

Uma personagem que poderia ter uma maior importância para a história, mas foi pouco explorada é a elfa Tikka, interpretada por Lucy Fry. Em um momento do filme, ela passa a fazer um trio com a dupla de policiais e os acompanha. Mas ela não agrega nada à história e existe apenas para reagir às situações ou avisar que o perigo está próximo (mesmo que nunca vejamos esse perigo de fato).

Uma questão que me incomodou durante o filme foram os diálogos. A maior parte deles são expositivos, como tentativa de nos introduzir àquele universo, apresentar personagens ou explicar suas motivações. Inclusive, alguns personagens existem apenas para explicar ao público o que está acontecendo. Há outras formas mais eficientes para isso, mas o recurso utilizado acabou se tornando preguiçoso.

Quem dirige Bright é David Ayer, que a todo momento nos lembra que estamos assistindo a um filme policial e não uma versão moderna de Senhor dos Anéis. É uma pena que ele não tenha economizado nos flares ou cenas em câmera lenta ao estilo Zack Snyder, além de cometer o mesmo erro de Esquadrão Suicida, criando um final grandioso, maior do que o filme pede.

Infelizmente, Bright é um daqueles exemplos onde o trailer é melhor que o filme. Ele conta com uma proposta interessante e diferente, além de ter boas escolhas, como a escalação de Will Smith ou a construção do primeiro orc policial em meio àquele universo. Mas nada disso se salva em sua execução, incluindo clichês já estabelecidos desde o começo. Não é a primeira vez que a Netflix erra, mas isso prova, mais uma vez, que dinheiro não faz bons filmes, e neste caso, também pode estragar boas ideias.

Crítica | Bright
Bright conta com uma ótima construção de universo, que reúne o gênero buddy cop e elementos de fantasia, mas sua execução erra em diversos pontos, desde a relação dos protagonistas ao subaproveitamento de personagens secundários.
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