Crítica | Brightburn: Filho das Trevas

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 23 de maio de 2019

Numa espécie de fusão entre duas das principais obras de Richard Donner (Superman e A Profecia), o diretor David Yarovesky, o produtor James Gunn (mais conhecido por dirigir os filmes dos Guardiões da Galáxia) e os roteiristas Brian e Mark Gunn resolvem brincar com o subgênero de super-heróis. Ao invés do olhar esperançoso e colorido, normalmente associado a obras do tipo, oferecem uma pegada mais pessimista e sombria. O que aconteceria se Kal-El não fosse tão perfeitinho? Brightburn põe a mão na massa para responder a pergunta.

Zack Snyder tentou a sorte nessa questão com O Homem de Aço, de 2013, mas o tiro saiu pela culatatra. Talvez por não ter se desapegado de certas regras, pareceu um filme de super-herói envergonhado. Ainda que sua influência deva ser reconhecida – principalmente no elevado peso conferido aos seus poderes (os olhos flamejantes, o voo supersônico…) -, Brightburn reimagina a história de maneira mais coerente e corajosa, pois renega completamente as principais convenções do subgênero.

A única coisa que os dois filmes têm em comum, além dos elementos já citados, é a premissa, uma vez que o de Yarovesky é basicamente um terror B onde o Superman é o monstro. E, apesar do personagem-título ser propriamente explorado para além desse rótulo, não há uma tentativa de desculpar suas ações ou apresentar motivações minimamente nobres – o longa oferece um retrato cru de um jovem confuso (com tendências psicopáticas, é verdade) que, aos poucos, se descobre detentor de um grande poder. Nesse sentido, Brightburn também não deixa de ser um coming of age movie, mas sem dispersões. O roteiro é bastante enxuto e objetivo. Nada é à toa.

O que há de mais interessante nisso é como ele consegue reunir diversas tradições ou clichês da cultura estadunidense (o garoto ir caçar com o pai, a mulher emotiva que sonha em ser mãe, a lanchonete vazia no centro de uma cidadezinha…) e subvertê-los de maneira violenta. A princípio parece um filme bastante conservador nesses aspectos, mas quando revela os verdadeiros propósitos de suas presenças, se mostra o oposto. O mesmo vale para o uso da violência gráfica.

De início, poderia se esperar algo violento simplesmente por ser, provavelmente para aproveitar a classificação indicativa e atrair o público adolescente, mas até isso possui uma lógica. Todo o gore aparece para evidenciar os efeitos dos poderes do menino, fazendo com que os atos mais banais em outros filmes de super-heróis ganhem uma intensidade muito maior. O resultado é uma obra extremamente eficiente na criação de impacto. Quando seus poderes se tornam o centro da ação, a inquietação é garantida. A edição é um pouco pesada, mas auxilia bastante nesse efeito (como numa cena na escola ou em outra no celeiro).

Diferentemente dos outros terrores recentes, Brightburn não tem pretensões de ser mais do que é. É bastante frenético e pouco sugestivo, o que não é ruim, até porque reconhece isso como sua proposta estética. Ainda assim, há um trabalho sofisticado de atuação por parte dos dois protagonistas, Elizabeth Banks e Jackson A. Dunn. Ambos estão completamente compenetrados em seus papéis, oferecendo a imprevisibilidade de seus personagens que o roteiro tanto pede. Em momentos-chave, não se sabe ao certo quais são suas intenções, deixando o público na expectativa imediata por uma resposta (por mais óbvias que possam ser, às vezes). Com isso, é também um suspense bem-sucedido.

Também vale ressaltar a qualidade dos efeitos visuais e da maquiagem, que são bastante convincentes e dão mais verossimilhança para o que estamos vendo. Se por um lado isso o distancia de sua veia trash, onde tudo é meio fake, por outro é necessário para ser levado minimamente a sério no que interessa.

Apesar de tudo, Brightburn não é um filme perfeito. Talvez possa ser vítima de suas próprias limitações, com cenas dramáticas ou cômicas excessivas (são poucas, mas perceptíveis). Talvez sua subversão da ideia de bom visitante, personificada pelo Superman, possa soar determinista para alguns, pela forma como se utiliza das origens alienígenas do menino como gatilho para sua perversidade. De qualquer forma, é um terror bastante autoconsciente na maior parte do tempo, além de eficiente catalisador de atenção. No processo, desnaturaliza muita coisa que o cinema hollywoodiano e/ou de super-heróis tornou padrão, seja por uma bem-vinda problematização ou pura rebeldia juvenil. Talvez, no caso, não haja diferença.

As cenas mockumentary que acompanham os créditos finais, ao som de Bad Guy, da Billie Eilish, meio que reforçam essa impressão. O que outros longas usaram como dispositivo para validar suas pretensões de aproximação com o mundo em que vivemos, em Brightburn é uma ostentação, ou mera formalidade. Porque algo não é real só porque assim foi colocado, é preciso merecer essa crença – ou melhor, descrença.

Crítica | Brightburn: Filho das Trevas
Brightburn não é um filme muito pretensioso: só quer contar a história do Superman num terror slasher. No processo, consegue trazer um verdadeiro revisionismo do subgênero de super-heróis, além de funcionar como puro entretenimento escapista.
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