Crítica | Entre Facas e Segredos

Escrito por: Pedro Henrique Figueira

em 02 de dezembro de 2019

Agatha Christie, Edgar Allan Poe e Harlan Coben – o que esses três nomes têm em comum? No caso, além de serem alguns dos autores de mistério mais aclamados do mundo, eles servem de inspiração para o novo filme Entre Facas e Segredos, de Rian Johnson (Star Wars: Os Últimos Jedi). Os elementos e características marcantes desses artistas estão espalhados por todos os âmbitos do longa, como em uma maneira de homenageá-los. Mais do que eles, o diretor homenageia todo o universo das investigações, simultaneamente definindo uma identidade própria.

Da mesma forma que vemos em um jogo de detetive, as peças são colocadas no tabuleiro (aqui, uma mansão luxuosa) para descobrir quem está por trás da morte do renomado romancista Harlan Thrombey (Christopher Plummer), após seu aniversário de 85 anos. Cada um dos moradores possui algum tipo de excentricidade que se sugere como um comportamento suspeito. Logo nos depoimentos, Johnson (também responsável pelo roteiro) demonstra uma dinâmica perfeita em mesclar as cenas com cortes precisos e apresentando diálogos afiados, inserindo, ainda, discussões sobre privilégios e imigração. Várias perspectivas sobre a noite do possível crime são postas na mesa, tudo sobre o olhar atento de Benoit Blanc (Daniel Craig) – o clássico investigador, com ares de Sherlock Holmes e Hercule Poirot, que não poderia faltar numa história como essa.

Entretanto, logo descobrimos que o objetivo principal de Johnson não é resolver o enigma, mas sim, mostrar como esses personagens reagem diante da situação. O espectador observa todas as atitudes e vê que cada um dos integrantes dessa família disfuncional possui algum tipo de interesse. Sincronicamente, o cineasta passeia pelos cômodos utilizando a técnica de panning (câmera de um lado para o outro), fazendo com que nós nos atentemos para todos os detalhes e objetos. Esse recurso também entra, justamente, para expor os comportamentos dos personagens em determinadas conversas.

Conforme os fatos vão se desdobrando, a mixagem de som diretamente aumenta a intensidade da trama, onde os instrumentos como o piano e violino definem a ópera que é Entre Facas e Segredos. Evidente que muitos dos acontecimentos podem ser calculados, porém existem algumas reviravoltas perspicazes e o espetáculo está em como a técnica se alinha com a ideia do projeto.

Quando o caos se instala, Johnson faz com que sua câmera, frequentemente estática, fique propositalmente trêmula. Nesse ponto da narrativa, percebe-se o bom jogo de roteiro. Tudo dentro de um texto inteligente, que cai como uma luva em atores como Chris Evans, Jamie Lee Curtis e Toni Collette. O elenco, aliás, é um show à parte e, no caso desse trio citado, vemos interpretações brilhantes. Evans foge completamente do jeito sisudo do Capitão América ou da malandragem do Tocha Humana, fazendo de Ransom um personagem arrogante; Curtis é puro talento, trazendo comicidade para Linda; e Collette rouba a cena toda vez que aparece, criando um gestual característico para Joni. Esses personagens desenvolvem piadas deliciosas, e o charmoso figurino produz as típicas predefinições sobre eles. Katherine Langford (Meg) e Jaeden Lieberher (Jacob), infelizmente, são os nomes pouco aproveitados, em papéis que não possuem tanta importância.

Dentro dessa escalação de estrelas, o verdadeiro brilho está em Ana De Armas, interpretando Marta Cabrera (a jovem enfermeira do sr. Harlan). Ela é como o espectador dentro do filme, investigando o caso ao lado de Blanc. Sua inusitada condição a impede de mentir, tornando-a figura ideal para acompanhar o detetive. De Armas demonstra um talento sem igual, bastante expressiva no papel. Sua química com Craig é muito boa, apesar do personagem dele ter precisado de um desenvolvimento mais adequado para suas diferentes nuances funcionarem em equilíbrio.

Como um maestro regendo sua orquestra, Rian Johnson conduz Entre Facas e Segredos em uma crescente tensão. O cineasta e esse elenco brilhante nos brindam com um trabalho excepcional, que deixa o espectador inquieto até o último minuto para destrinchar o mistério. Uma das maiores surpresas do ano, sem dúvidas.

Crítica | Entre Facas e Segredos
Elenco primoroso, roteiro bem elaborado e direção inspirada são os ingredientes que tornam esse projeto uma das maiores surpresas do ano. Como um maestro regendo sua orquestra, Rian Johnson conduz seu filme em uma crescente tensão, deixando o espectador inquieto até o último minuto.
4.5

Compartilhe!