Crítica | O Doutrinador

Escrito por: Pedro Henrique Figueira

em 30 de outubro de 2018

Os heróis e anti-heróis surgem das indignações da população em relação à realidade que vivem. Muitos já ganharam filmes e séries, onde praticamente todos fizeram sucesso. É nesse cenário que chega O Doutrinador – longa do primeiro anti-herói brasileiro, que apresenta uma abordagem interessante e com bom resultado.

Adaptada dos quadrinhos de sucesso do autor Luciano Cunha, a trama conta a história de Miguel (Kiko Pissolato), um agente traumatizado por uma tragédia pessoal que decide fazer justiça com as próprias mãos. Assim, ele se torna um vigilante mascarado com o objetivo de acabar com a impunidade que permite que os políticos enriqueçam às custas da miséria e do trabalho da população. Aos poucos ele se torna conhecido e ganha o nome de Doutrinador.

A excelente cena de abertura revela ao público muito do que o longa pretende trazer. Intensa e com claras inspirações às manifestações de 2013 a 2015 do nosso país, o caos político que assistimos gera um clima de suspense e agitação. A qualidade técnica que é apresentada já se mostra incrível, de nível hollywoodiano e raramente vista no cinema nacional.

Importante ressaltar que comparar o filme com o atual momento brasileiro é inevitável. Obviamente a trama faz críticas ao sistema político, mas ela não se propõe a ditar regras, defender uma bandeira ou denunciar a corrupção. O Doutrinador simplesmente quer refletir uma realidade social presente em vários lugares, não só no Brasil, através de um universo fictício em que uma figura se torna uma espécie de salvador para as pessoas. Por esse motivo entende-se o porquê dos “vilões” serem caricatos e darem risadas malignas – esses são recursos que funcionam. E mesmo que em algumas cenas notemos que as filmagens aconteceram em São Paulo e no Rio de Janeiro, o longa acerta em conseguir criar uma atmosfera fantasiosa que dificilmente existiria no mundo real.

Essa concepção é reforçada pelas cenas aéreas, que passeiam por ruas, rodovias e prédios. Apesar de existirem em excessiva quantidade, elas ajudam na expansão do cenário. A fotografia de Rodrigo Carvalho faz um belíssimo trabalho em destacar o visual noturno da cidade, sempre com luzes de neon que despertam um ar de mistério naquele ambiente. Nesse ponto que as influências do Batman, tanto do Nolan quanto de Snyder, da Marvel e da DC ficam mais evidentes, principalmente porque em vários momentos apresentam o anti-herói em cima de prédios e nas sombras. Mas isso não soa como cópia, e sim como uma referência muito bem realizada – até porque essa ideia faz sentido quando paramos para analisar a personalidade do personagem.

Toda a estética evoca uma linguagem dos quadrinhos. É como se as páginas saltassem diretamente para às telas. Isso se percebe nos movimentos cartunescos do Doutrinador. Muito do que se pretende dizer é através de imagens, frases e cenas simbólicas. A direção de Gustavo Bonafé, elogiada pelo ainda em cartaz Legalize Já – Amizade Nunca Morre, é forte e ágil, principalmente nas cenas de ação – que merecem destaque por terem uma ótima coreografia e serem bem viscerais. Existe bastante sangue e violência em cena, como a história pede, dando um tom sério ao projeto. Uma das melhores sequências do filme (que não posso detalhar porque caracteriza spoiler) tem esse tom.

O grande problema de O Doutrinador é o seu roteiro. Ao mesmo tempo que o ritmo acelerado dá dinamismo à história, ele atrapalha no desenvolvimento dos personagens e nas relações estabelecidas entre os mesmos. Edu (Samuel de Assis) e Penélope (Natallia Rodrigues), por exemplo, ficam sem função. Alguns diálogos soam forçados e artificiais quando ditos pelos atores. Além disso, o primeiro ato é feito de forma apressada, como se houvesse uma urgência em chegar no momento de surgimento do anti-herói. Os cortes bruscos das cenas também não ajudam, fazendo com que muitas questões fiquem sem grandes profundidades, prejudicando a experiência emocional do público com a história.

Em termos de elenco, o longa é bem eficaz. Kiko Pissolato encarna perfeitamente Miguel e a persona do Doutrinador, demostrando talento na interpretação – tanto nas cenas de ação quanto nas partes emocionais. Ele fez aulas de tiro e de coreografia de ação, e vemos que isso gerou um ótimo resultado em tela. A parceria de Miguel com a hacker Nina (Tainá Medina) é boa, apesar de necessitar de mais cuidado na construção. Medina acerta na interpretação que dá para sua personagem, tornando-a carismática e divertida.

Natália Lage como Isabela, ex-esposa de Miguel, e Tuca Andrada, fazendo o delegado Siqueira, também estão bons. Carlos Betão está ótimo no papel do político Antero Gomes, se destacando entre esse elenco. Por fim, as participações especiais de Eduardo Moscovis e Marília Gabriela são sensacionais com ambos demonstrando qualidade em suas atuações.

O Doutrinador se destaca ao retratar um Brasil fantasioso mas com toques de realidade. Sua estética e cenas de ação são incríveis e de alta qualidade, mostrando uma linguagem vinda das páginas das HQs. Apesar do roteiro e do ritmo atrapalharem o resultado final, o elenco é eficiente e o filme merece ser conferido e prestigiado nas telonas. O nosso anti-herói chegou.

*Existe uma cena pós-créditos, preparando o público para a série do personagem, que estreia em março de 2019 no canal pago Space.

Crítica | O Doutrinador
O Doutrinador se destaca ao retratar um Brasil fantasioso mas com toques de realidade. Sua estética e cenas de ação são incríveis e de qualidade, com uma linguagem vinda das páginas das HQ. O elenco é eficiente, com destaque para Kiko Pissolato, Tainá Medina e Carlos Betão. Um filme que merece ser conferido e prestigiado nas telonas.
3.5

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