Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post

Escrito por: Pedro Henrique Figueira

em 21 de abril de 2019

Em um mundo onde cada vez mais discursos de ódio são propagados, a polêmica ‘cura gay’ é um dos assuntos que mais geram discussões. Se Boy Erased – Uma Verdade Anulada decidiu levar esse tema com bastante potência, tendo o drama como forte peso para a narrativa, O Mau Exemplo de Cameron Post conduz por um outro lado e segue o caminho de uma abordagem inicialmente leve, que vai ganhando consistência à medida que as situações nos são apresentadas. Isso não diminui a importância e intensidade de sua abordagem, principalmente pela sensibilidade com que a trama desenvolve sua protagonista.

Desde os primeiros minutos, a diretora Desiree Akhavan constrói Cameron (Chloë Grace Moretz) como uma jovem com quem podemos facilmente criar empatia. Percebemos o quanto a personagem é tímida, reflexiva e que guarda algum segredo. Quando ela é flagrada transando com a rainha do baile de formatura, a sua intimidade está sendo exposta de uma maneira desagradável, em um momento ao qual ela não queria revelar sua sexualidade. É uma cena que já dita a dramaticidade proposta pelo roteiro, com o público imaginando as terríveis consequências daquela situação, além de evidenciar a boa atuação de Moretz. Então, quando ela é enviada para uma espécie de terapia de conversão homossexual (onde o filme realmente se inicia), embarcamos na sua difícil jornada.

O que vemos em O Mau Exemplo de Cameron Post é um olhar delicado e pontual sobre a temática LGBT. Ambientado nos anos 90, o filme narra a rotina da protagonista e dos outros jovens no acampamento Promessas de Deus, equilibrando bem os momentos de descontração e humor com situações dramáticas ou, pelo menos, revoltantes. Os personagens estão em busca de suas próprias identidades, dentro de um lugar que insiste em dizer que possuem algum tipo de doença ou pecado. A questão religiosa está presente, entretanto não é o fator primordial que conduz a trama. Apesar de claramente haver um posicionamento, o roteiro acerta em não querer ditar o que é certo ou errado – não ferindo crenças religiosas, mas defendendo a sexualidade humana. Por outro lado: o objetivo é mostrar o quanto certos discursos ou posicionamentos podem atingir psicologicamente os jovens, transformando as suas vidas para sempre – principalmente daqueles mais vulneráveis. Assim, quando em certo ponto Cameron acredita ter mesmo uma doença, percebemos que aquele sistema falho pode ser terrivelmente eficiente.

No longa, não somos apresentados a vilões. As figuras da Drª Lydia (Jennifer Ehle) e de Rick (John Gallagher Jr) são apenas reflexos da falta de conhecimento e da crença de pessoas que acreditam estarem fazendo algo correto. Em uma excelente atuação, Ehle constrói Lydia com uma postura imponente e amedrontadora, mostrando-se um ser humano de comportamento passivo-agressivo. A personagem parece carinhosa, mas possui discursos assustadores, utilizando uma voz mansa. Nota-se a sua mudança de figurino ao longo da narrativa, de acordo com a situação em cena. E Rick, influenciado por ela, só segue regras. Ambos ganham perspectivas diferentes quando determinado fato acontece, demostrando um início de mudança por parte deles.

Ao mesmo tempo que Cameron e seus colegas precisam procurar a melhor forma de sobreviver naquele lugar, eles encontram na cumplicidade a força para seguirem na defesa pela sua essência. É nessa amizade com Jane (Sasha Lane) e Adam (Forrest Goodluck) que o filme mais acerta. Porém, a dupla poderia ter ganhado mais profundidade dentro da história. Eles funcionam como fios condutores da trajetória de Cameron, com poucas cenas em que realmente conhecemos o background de cada um. Dentro disso que reside o problema do longa: ele constrói vários arcos e aponta para várias direções, com grande parte ficando sem uma conclusão ou se perdendo dentro da narrativa principal. O plot twist com Erin (Emily Skeggs) é interessante e até surpreende, mas não possui um trabalho efetivo do roteiro, que logo deixa o acontecimento de lado para focar na trama de Cameron.

O Mau Exemplo de Cameron Post acerta em sua discussão, sendo um filme de extrema importância para os dias atuais. A sensibilidade da diretora ao utilizar uma câmera intimista e mais observadora, nos coloca dentro da vida dos personagens, emocionando em vários momentos. Mesmo que não seja tão eficiente em desenvolver as várias tramas, esse projeto traz um discurso poderoso, que precisa chegar em todos os ouvidos, mentes e corações.

Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post
Um filme de extrema importância para os dias atuais. A diretora Desiree Akhavan constrói uma história sensível e emocionante sobre a temática LGBT, utilizando uma câmera intimista e mais observadora que nos coloca dentro da vida dos personagens. Destaque para as atuações de Chloë Grace Moretz e Jennifer Ehle.
3.5

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