Crítica | O Motorista de Táxi

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 11 de janeiro de 2018

Apesar do título remeter ao clássico de Martin Scorsese, este longa do sul-coreano Jang Hoon pouco tem a ver com o mesmo… ou será que não? Assim como Travis Baker, o protagonista do filme é um motorista de táxi que, ao se deparar com as injustiças de sua realidade, encontra poucas opções além de agir. A diferença fundamental aqui, além dos contextos políticos e geográficos bem diferentes, é que O Motorista de Táxi conta uma história real, que se passa numa época conturbada para a Coréia do Sul. Para ser mais específico, em 1980, durante a ditadura militar de Chun Doo-hwan.

A trama centra na jornada do taxista Kim Man-seob (baseado em Kim Sa-bok), para levar o jornalista Jürgen Hinzpeter de Seoul a Gwangju, para registrar uma grande rebelião contra o governo ditatorial da época. Com isso, o longa tem uma responsabilidade muito maior com o seu país e os envolvidos com o evento. Daí, uma questão: existe uma forma correta para retratar a história?

Obviamente, deve se considerar a precisão histórica, dentro do possível. Não é preciso ser um historiador para perceber que o filme tomou certas liberdades com relação à aventura de seus personagens centrais, principalmente do protagonista. Neste caso, realmente não tinha muito jeito, considerando que a verdadeira identidade dele não tinha sido revelada até após o lançamento do filme. Mas, se serve de consolo, ao menos o personagem criado a partir dos relatos de Hinzpeter apresenta um arco de transformação intrigante, que realmente contribui para a trama.

Como boa parte da população de diversos países (inclusive o nosso Brasil) em momentos de crises nacionais, Kim não estava tão informado quanto à situação da Coréia do Sul. Ele era um homem completamente voltado ao seu trabalho, tendo pouco tempo para se dedicar à pesquisa e sendo facilmente guiado pela narrativa midiática, no caso, escrita por integrantes do governo ditatorial. Na busca por uma receita um pouco maior, ele acaba se envolvendo com Hinzpeter e tendo uma fundamental participação no movimento de libertação do país. Com isso, um filme que começa leve e divertido, se torna progressivamente intenso e sério. Esta percepção é comparável à do protagonista (considerando as devidas proporções), que ao entrar em contato com a realidade, não consegue mais ignorá-la.

O humor, bem presente no início e em breves momentos ao longo da trama, pode parecer um pouco bobo para alguns, mas não ofusca a seriedade do que está sendo retratado. Quando vemos a violência gratuita e brutal contra os manifestantes de Gwangju, por parte do exército, não há espaço para nenhuma distração. As piadas que sobram são para a construção da relação entre os personagens centrais, que apesar de nem sempre funcionar, consegue se salvar pelas boas interpretações de Song Kang-ho e Thomas Kretschmann (que fazem o taxista e o jornalista, respectivamente). Mas o filme realmente dedica muito mais tempo para a evolução do protagonista, que é recompensadora por si só, apesar de gerar uma certa superficialidade nos momentos dedicados aos coadjuvantes.

Porém, o maior problema do filme pode ser o seu diferencial. Por se adequar aos modelos de um blockbuster de aventura, O Motorista de Táxi acaba sofrendo com muitos de seus clichês, como as grandiosas sequências de ação e um vilão demasiadamente caricato. Se a direção reconhecesse e abraçasse estes elementos, não haveria nenhum problema, mas quando comparados à humanidade de Kim e a importância do relato, isto tudo soa excessivo, se não manipulativo. Há um reconhecimento da soberania da história, aliada a uma mentalidade mercadológica para atingir as massas. De certa forma, deu certo, pois o filme está sendo amplamente assistido, mas não deixa de prejudicar a experiência, que poderia ter sido mais visceral e honesta.

De qualquer forma, O Motorista de Táxi consegue prestar uma bela homenagem a dois heróis nacionais da Coréia do Sul, além de ser bem enfático quanto à importância do jornalismo responsável e da militância em tempos sombrios. Mesmo que se utilize de artifícios baratos para tentar comunicar a consumidores casuais de cinema, o longa não depende do mesmo para se sustentar. Muito pelo contrário, ele encontra mais força quando foge dos mesmos.

Crítica | O Motorista de Táxi
O Motorista de Táxi pode soar um tanto formulaico em seus piores momentos, mas é bastante potente quando precisa ser, além de contar com uma grande atuação de Song Kang-ho.
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