Crítica | The Midnight Gospel

Escrito por: Gabriel Santos

em 24 de maio de 2020

Pendleton Ward é conhecido por ser a mente por trás de Hora de Aventura. Quem assistiu à série deve ter percebido que, apesar dos traços infantilizados, ela lida com temáticas complexas, ainda que dentro da classificação indicativa do programa. Por conta disso, muitos fãs se perguntavam como seria uma animação adulta feita por Ward – agora sabemos. The Midnight Gospel é um projeto do animador e roteirista com o comediante Duncan Trussell, que conta com uma abordagem reflexiva e uma ambientação psicodélica. Na trama, acompanhamos Clancy Gilroy, que entrevista seres de diferentes realidades – todas à beira do apocalipse – para seu “espaçocast” através de um simulador de universos.

Os diálogos representam uma das principais questões que chama atenção na animação. Logo no começo, fiquei surpreso com a forma como é emulada uma conversa de verdade, de forma muito natural. Os personagens perdem a linha de raciocínio, se esquecem do que estavam dizendo, falam por cima dos outros, entre outras coisas, parecendo muito com um podcast da vida real – e é.

Depois de pesquisar um pouco sobre a produção, descobri que foram usados trechos reais do podcast The Duncan Trussell Family Hour. No programa, Duncan conversa com seus convidados sobre assuntos diversos, desde budismo até legalização das drogas. Apesar disso, eles são tratados com bom humor, leveza e através de metáforas, tornando mais fácil o entendimento.

Na passagem desse podcast real para um espaçocast fictício, há algumas ideias muito boas, como a transformação dos entrevistados em personagens dentro da trama. Tudo é muito orgânico, até chegarmos em Duncan/Clancy, onde o comediante muitas vezes é confundido com o protagonista, o que nos tira um pouco da animação.

Se você é uma pessoa que gosta de pegar todos os detalhes, talvez seja complicado tentar acompanhar a animação e os diálogos ao mesmo tempo, ambos muito densos e com muita informação. Enquanto as pessoas conversam, acontece muita coisa na tela, em um universo rico visualmente, com um leque de formas e cores – apesar da movimentação truncada e design simplificado. Temos desde os personagens tentando sobreviver em um apocalipse zumbi até aventuras em cenários surrealistas e psicodélicos. Tudo isso enquanto eles discutem assuntos sobre a vida, a verdade e o universo. Simplesmente não dá pra prestar atenção em tudo, e é preciso assistir à animação mais de uma vez se quiser pegar todas as nuances – e os possíveis easter eggs, levando em conta que estamos falando de Ward.

Felizmente, graças a isso, os episódios passam voando e nem sentimos o tempo passar. O fato de termos 20 minutos de conversa fluida e uma trama sempre em movimento ao mesmo tempo ajuda o espectador a nunca ficar entediado, tornando a série facilmente maratonável. Diria até um pouco viciante, principalmente se você gostou do primeiro episódio e se interessa pela temática.

The Midnight Gospel é um projeto muito diferenciado quando comparado a outras animações, tanto pela intenção quanto pela execução. Ele pode parecer estranho no começo, mas consegue encontrar ordem em meio ao caos. A ideia é muito criativa, resultando numa experiência singular. Vale a pena conferir, pelo menos, o episódio piloto. Espero que o projeto sirva de inspiração para outros criadores de conteúdo saírem da caixinha e trazerem mais propostas inovadoras como essa.

Crítica | The Midnight Gospel
A animação é muito diferenciada, tanto pela intenção quanto pela execução. A partir de conversas profundas e um universo rico, é fácil maratoná-la. Porém, talvez seja preciso assistir mais de uma vez para pegar todos os detalhes.
4

Compartilhe!