Crítica | Um Lindo Dia Na Vizinhança

Escrito por: Pedro Henrique Figueira

em 14 de dezembro de 2019

Transmitir mensagens positivas em um filme é sempre satisfatório, já que cinema é uma experiência emocional. Mais especificamente, quando o texto tem o poder de ensinar algo ao público ou causar reflexões, de certa maneira a proposta funcionou. Ainda assim, não é só disso que se vive um projeto. Um Lindo Dia na Vizinhança cai nesse perigoso lugar, entregando uma história comovente, mas nem tão bem resolvida.

Baseando-se em fatos reais, a diretora Marielle Heller trabalha sua biografia de uma maneira habitual em Hollywood, colocando o protagonista como observador da pessoa famosa. Dessa forma, através dos olhos do jornalista Lloyd Vogel (Matthew Rhys), conhecemos o Mrs. Rogers (Tom Hanks), icônico apresentador infantil dos anos 1960-2000. Logo nos primeiros minutos, observamos que Rogers é bastante didático com o público do seu programa televisivo, e já de cara cria-se um personagem carismático e começo promissor para o longa. A questão é que o roteiro não consegue estabelecer uma narrativa concreta o suficiente, tendo ao decorrer alguns momentos de brilho ofuscados por problemas.

Lloyd é praticamente construído como um total contraponto de Fred McFeely Rogers. O repórter não sabe lidar com sentimentos por ter várias desavenças com o pai, interpretado por Chris Cooper, e acaba sendo o homem ideal para receber a ajuda do artista. Nesse ponto, a dupla de roteiristas Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster acerta em mostrar que o apresentador transforma a vida de quem o conhece. Mrs. Rogers é um ser que espalha alegria e traz simbolismos em seu show, principalmente às crianças. Ele é aquele tipo de pessoa que provoca sorrisos por onde passa e suas canções não só contagiam, como também são muito mais profundas do que aparentam. Então, não é difícil imaginar o porquê de seu sucesso.

Quem for pesquisar materiais da época, vai se impressionar em ver o quanto a produção conseguiu reproduzir cada detalhe do seu programa Mister Rogers’ Neighborhood – o mesmo se elogia sobre quando o filme estampa uma participação do artista no programa da Oprah Winfrey. As cores, maquetes e personagens definem o sentimento positivo que existia no set. Heller até tenta mesclar os modelos em miniatura com filmagens de cidades reais, mas falha ao expor cortes bruscos, impedindo que esses elementos conversem entre si. Isso nem é tão incômodo, pois o que realmente atrapalha é a maneira como os escritores levam o Mrs. Rogers às telas.

Considerando o papel, seria um desafio desenvolvê-lo. Os registros antigos revelam que o apresentador é exatamente da forma como o longa definiu-o. Porém, Fitzerman-Blue e Harpster não conseguiram torná-lo alguém tangível dentro do argumento cinematográfico. Ao encaixarem várias lições nos diálogos de Mrs. Rogers, como se ele sempre as tivesse na ponta da língua, a dupla cria um ser muito fictício. Como o próprio Lloyd diz em uma cena, Fred parece uma figura santificada, e infelizmente é isso que Um Lindo Dia na Vizinhança idealiza. Seria injusto se eu não citasse que, pelo menos em duas cenas específicas, os roteiristas contornam esse problema. Em um dos exemplos, que talvez seja o melhor, Fred é confrontado pelo jornalista. Ali, vemos que ele internaliza algumas dores. O embate dos dois funciona, principalmente, pelas entregas de Matthew e Tom. Entretanto, em um projeto com mais de 100 minutos, isso é pouco.

Assim, esse roteiro acaba colocando os principais atores em papéis ingratos, visto que Lloyd também soa constantemente caricato. É compreensível que o personagem seja incapaz de transmitir o que sente, explicando a mesma expressão que Matthew faz em quase todo o filme. Pelo menos, o texto desenvolve cenas que beneficiam a sua interpretação, não deixando-o totalmente em um mesmo tom. Claro que a jornada do repórter é a prioridade, no entanto, o verdadeiro destaque é Tom Hanks. Ele mostra-se a escolha perfeita para esse papel, encantando com seu carisma e leveza postos na atuação. Aliás, sobre o confronto citado no parágrafo anterior, a mudança sutil no olhar de Tom é surpreendente. Dentro do material que lhe foi entregue, o ator brilha toda vez que aparece, trazendo um pouco da naturalidade necessária. Inicialmente, quase que assume a mesma persona de seu Walt Disney, do Walt nos Bastidores de Mary Poppins (2013), mas ao decorrer essa impressão é desfeita.

No todo, dentro dessa estrutura convencional estabelecida, a cineasta Marielle Heller consegue demonstrar parte do seu talento em extrair a emoção que uma trama como essa possui. Contudo, fica presa a um roteiro que não está tanto do seu lado, prejudicando o trabalho. Diferente do ótimo Poderia Me Perdoar? (2018), aqui a potência dramática vai se esgotando. Ao se encerrar, as lições e performances de Um Lindo Dia na Vizinhança podem gerar uma experiência agradável, porém, é perceptível que a história pedia muito mais.

Crítica | Um Lindo Dia Na Vizinhança
O longa, baseado em fatos reais, é comovente e repleto de mensagens positivas para o público. Entretanto, esse apelo emocional não sustenta o projeto totalmente, e o roteiro deixa de estabelecer uma história consistente. No final, o que realmente chama a atenção é a performance de Tom Hanks.
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