Crítica | Vidro

Escrito por: Pedro Henrique Figueira

em 14 de janeiro de 2019

A carreira do diretor M. Night Shyamalan é de altos e baixos. Ao mesmo tempo que ele acerta com O Sexto Sentido e Sinais, por exemplo, ele também erra muito – vide Fim dos Tempos e O Último Mestre do Ar. Por esse motivo, o conceito de conectar alguns de seus filmes, numa espécie de Shyamalan Universe, chegou ao mundo com bastante apreensão, mas foi criando boas expectativas à medida que saíam informações e trailers. Dito isso, afirmo que Vidro se apresenta como uma de suas obras mais intrigantes e controversas.

Seguindo os eventos de Corpo Fechado (2000) e Fragmentado (2016), essa continuação traz os desdobramentos dos terríveis atos de Kevin Crumb (James McAvoy), na personalidade de Fera. Nesse contexto, aparece David Dunn (Bruce Willis) para impedir que novas mortes aconteçam. Após um encontro entre os dois, eles são levados pela Drª Ellie (Sarah Paulson) para uma clínica, onde está Elijah Price (Samuel L. Jackson) – o Sr. Vidro. Logo, situações resultarão em um embate épico.

A ideia de uni-los em um único ambiente é fascinante, pelas possibilidades que a dinâmica entre eles pode proporcionar. Colocá-los em um hospital psiquiátrico é audacioso e consegue levar o espectador a mergulhar naquele mundo. Desta forma, Vidro se diferencia de outras produções do gênero, sendo um suspense original e mais “pé no chão”.

Essa visão realista de Shyamalan é corajosa e louvável, quando pensamos na temática do longa. Ele opta por um estudo distorcido desses personagens de habilidades especiais, através de cenas que trabalham a mente deles – ao invés de apenas mostrar muita ação e sequências grandiosas. Ao mesmo tempo, ele acerta em relacionar com algo que já conhecemos: mesmo sendo poderosos, eles possuem fraquezas simples.

A questão é que essa proposta não é totalmente bem sucedida. O primeiro segmento tem uma boa construção, destacando os feitos heróicos de David Dunn. Porém, o ritmo lento se estende por praticamente todo o longa, tirando a fluidez da narrativa e proporcionando poucos momentos em que realmente cria-se uma empolgação pelo que está por vir. Os diálogos também nem sempre ajudam porque, por mais que Shyamalan queira relacionar sua história com a temática de heróis e vilões, fica extremamente cansativo ouvir os personagens de Paulson e Jackson falarem sucessivamente palavras como “super-humanos” e “histórias em quadrinhos”. Como se precisasse deixar bem claro qual a ideia, só que o resultado se torna uma exagerada exposição. Em termos comparativos, Corpo Fechado trouxe esse argumento de modo bem mais sutil.

Essa oscilação cria uma narrativa por vezes maçante. Mas Vidro tem muitas qualidades e está longe de ser um desastre. O ponto principal é que fica difícil de compreender o que realmente precisava ser dito, principalmente quando analisamos os duvidosos plot-twists do terceiro ato. As participações de Anya Taylor-Joy (Casey), Spencer Treat (Joseph Dunn) e Charlayne Woodard (Srª Price) são pontuais e necessárias, por eles serem o vínculo mais humano da vida de Kevin, David e Elijah. Por isso é até compreensível o motivo deles agirem juntos.

Se por um lado o roteiro tem dificuldades em definir seu conceito, por outro, a cinematografia cria bem essa atmosfera densa de um universo paralelo com pessoas extraordinárias. A fotografia trabalha perfeitamente o predomínio do roxo, amarelo e verde, criando um esquema de cores para cada um dos integrantes do trio principal, como se eles tivessem seus próprios “uniformes”.

Bruce Willis e Samuel L. Jackson estão ótimos resgatando seus papéis, depois de dezenove anos. Ambos mantiveram a essência dos personagens, com devidas transformações emocionais do tempo. Willis tem uma notoriedade reduzida aqui, funcionando dentro do que se propõe para ele. O incômodo fica por conta do Sr. Vidro, que dá nome ao título, pois o roteiro guarda muito de suas ações para o ato final – ainda que seja surpreendente a maneira como é construída sua reviravolta.

Os verdadeiros astros são Sarah Paulson e James McAvoy. Ela está excelente no papel, sendo o viés condutor de todo o segmento dentro do hospital. Através do poder de persuasão e jogo mental da Drª Ellie, principalmente na ótima sequência da sala rosa, conhecemos as reais intenções dela com o trio. Paulson consegue demonstrar todo o seu talento de atriz.

McAvoy continua sensacional em seu papel – ou papéis, nesse caso (os créditos até brincam com isso). Ver novamente sua mudança de um personagem para o outro, em segundos, continua impressionante. Arrisco dizer que é aquela pessoa que ainda não teve seu devido reconhecimento. A decepção é que, neste filme, ele ganha um caráter cômico que destoa completamente do que se propôs em Fragmentado – um problema mais de direção do que do ator. Hedwig é a única personalidade que deveria causar risos, já que se trata de um adulto agindo como uma criança.

Vidro é muito mais do que aparenta ser e com certeza questionará o público, gerando diferentes interpretações. Independente do verdadeiro propósito de Shyamalan, ele segue um caminho inesperado que, como filme, precisava de mais cuidado no roteiro e na direção. Apesar de problemas na execução, sua proposta ousada agrada bastante no final, precisando ser absorvida aos poucos. Vale muito a pena ir aos cinemas e matar a curiosidade de como essa trilogia se encerra.

Crítica | Vidro
Em Vidro, a proposta ousada e original de Shyamalan funciona até certo ponto, pois a execução apresenta problemas. A excessiva exposição sobre heróis, vilões e quadrinhos cria algo por vezes monótono, atrapalhando as boas ideias que o diretor quer apresentar. Em resumo final: uma boa conclusão que vai dividir o público, precisando ser absorvida aos poucos e merece a sua curiosidade.
3.5

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