Crítica | A Maldição da Chorona

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 18 de abril de 2019

O novo capítulo da franquia Invocação do Mal, de James Wan, traz uma lenda latino-americana para os Estados Unidos da década de 1970. Se trata da história da Llorona, um espírito atormentado por ter assassinado os próprios filhos para se vingar de uma traição do ex-companheiro. Essa premissa se assemelha bastante ao mito grego da Medeia, que até hoje é reproduzido em forma de grosseiros estereótipos de gênero. A Maldição da Chorona não está isento disso, mas tenta reduzir tudo a um simples filme de monstro. Se, por um lado, isso traz um aspecto escapista para a obra, por outro a esvazia completamente, distanciando-a da recente leva de terrores com fortes comentários sociais. É possível encontrar um resquício de subtexto aqui, mas as convenções de gênero falam muito mais alto. O diretor Michael Chaves troca a subversão pelo espetáculo – e, até aí, tudo bem. O problema é que, dentro dessa proposta, o longa não consegue se destacar tanto, ainda que seja bem-sucedido por boa parte do tempo.

O filme é protagonizado por Anna, uma agente social que perdeu o marido recentemente, tendo que cuidar de duas crianças sozinha. Após lidar com um misterioso caso de maus-tratos, ela vê seus próprios filhos atormentados por uma entidade sobrenatural. Há uma ironia muito grande nesse fato, considerando que, após desacreditar numa mãe e separar uma família, ela vê a sua própria sendo ameaçada, inclusive pela instituição para a qual trabalhou (uma vez que não consegue explicar para as autoridades o que está acontecendo com seus filhos). Isso casa bem com a perversidade na qual os ataques da Chorona são conduzidos, se utilizando da inocência de suas vítimas para enganá-las. Há um leve senso de humor nesses momentos, que também acaba gerando aquelas típicas cenas em que um personagem faz tudo que uma pessoa não faria na vida real.

Porém, essas idiossincrasias podem ser vistas como parte da proposta, e não defeitos. Os erros do filme, na verdade, residem em algumas conveniências de roteiro que abusam da boa vontade do espectador (por que a protagonista leva os filhos para uma cena de crime?), além de clichês gritantes até para os fãs do gênero (como o uso do bendito sótão). O ápice de tudo isso é o terceiro ato, onde tudo que poderia acontecer acontece de uma vez só, resultando num clímax truncado, convoluto e pouco satisfatório.

Apesar do roteiro problemático, o longa consegue agradar em seus momentos mais minimalistas, graças à imersiva direção de Chaves. A montagem paciente e o uso objetivo das lentes ajudam a criar uma apreensão enervante, que, infelizmente, nunca é complementada por grandes sustos. Os efeitos visuais artificiais, uma composição visual pouco inspirada (a Chorona nada mais é do que uma versão alternativa da Freira) e o uso excessivo de efeitos sonoros estrondosos não conseguem causar muito medo. Por incrível que pareça, o momento mais apavorante do filme é o seu epílogo, que conta a história de origem da personagem-título. A fotografia num high-key meio sem vida e a conclusão surpreendente (ainda mais para quem não conhecia a lenda) causam um efeito perturbador, que não consegue ser replicado no decorrer do filme.

O que sobra de positivo, para além das já citadas virtudes da direção, é a boa atuação de Linda Cardellini no papel de Anna. A talentosa atriz consegue se consolidar como uma verdadeira scream queen, trazendo credibilidade para os sentimentos da personagem, ainda que com um roteiro contra-produtivo nesse sentido. Raymond Cruz também se destaca no papel do curandero – uma figura que, à princípio, parece só mais um estereótipo, mas acaba se mostrando mais profundo e carismático do que se esperava. O ator consegue passar efetivamente um senso de autoridade, nos fazendo esquecer que ele foi o icônico Tuco Salamanca em Breaking Bad. O elenco infantil também se sai bem nas difíceis cenas das quais participam, mas a atriz Patricia Velasquez acaba sendo prejudicada por um papel tão caricato e unidimensional, que provavelmente deveria ter menos importância para a trama.

Com seus erros e acertos, A Maldição da Chorona acaba sendo um capítulo regular da franquia Invocação do Mal, que funciona como distração, mas não consegue ir além disso. Pode ser uma boa pedida para os entusiastas do terror e do universo compartilhado, mas nem de longe é tão marcante quanto poderia ter sido. Dito isso, é interessante ter um filme aos moldes das histórias de exorcismo que foge do modelo hegemônico, mostrando tradições que vão além da fronteira estadunidense. Pode até ser de forma distanciada e um pouco caricata, mas pelo menos o conjunto de crenças ganha protagonismo e é levado a sério dentro dessa mitologia.

Crítica | A Maldição da Chorona
Como puro terror escapista, A Maldição da Chorona é suficientemente bem-executado, apesar dos sustos nunca alcançarem os momentos de apreensão que os precedem (dada a artificialidade dos elementos sobrenaturais). O excesso de clichês e a superficialidade do roteiro também fazem com que o longa se distancie da recente boa leva de filmes do gênero.
2.5

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