Crítica | Maria do Caritó

Escrito por: Pedro Henrique Figueira

em 01 de outubro de 2019

“Se conseguistes enganar uma pessoa, isso não significa que ela seja tola, isso significa que ela confiou em você mais do que você merecia”. Esse pensamento do poeta Charles Bukowski define bem a trajetória vivida por Maria (Lilia Cabral), protagonista do longa Maria do Caritó. A personagem também lida com várias outras questões, mas a sua inocência e a crença nas pessoas faz com que sua história seja mais relacionável para o público, principalmente para os brasileiros.

Toda essa abordagem fica estampada nas atitudes dos personagens, nesse filme baseado na peça homônima, que ficou cinco anos em cartaz. O texto do autor pernambucano Newton Moreno recebeu adaptações significativas para o projeto cinematográfico, dando um pouco mais de relevância para as discussões sociais presentes no subtexto. Na história, Maria é uma mulher de 50 anos em busca do amor verdadeiro e “está no caritó”, expressão sobre as mulheres que nunca se casaram. Porém, ela sofre por causa de uma promessa de seu pai, que jurou entregar sua filha ainda virgem para São Djalminha. Tendo essa trama como base, o longa utiliza da comédia para refletir, fugindo um pouco da superficialidade em que facilmente poderia cair.

As figuras arquetípicas do Coronel (Leopoldo Pacheco) e Monsenhor (Fernando Neves) representam os sistemas corruptos que insistem em se aproveitar da ingenuidade do povo. Os habitantes da fictícia cidade de Úrsula vivem dos falsos juramentos de ambas as partes. Assim, seu tom lírico ganha ares realistas, pois encontramos nesses personagens muitos dos problemas existentes nas várias regiões do Brasil. Exemplo disso é o comentário sobre a extinção da Secretaria de Cultura, que causa riso e descontentamento justamente por ser uma ameaça real. A brasilidade inserida é reforçada em todo momento, trazendo referências a obras como O Auto da Compadecida (2000) e O Bem Amado (2010). Detalhe que esse humor puramente satírico, meio que ridicularizando os papéis, funciona bastante.

No caso, como a vida de Maria é regrada por personagens masculinos, a questão do machismo se faz presente. Seus princípios estão ali, entretanto o respeito pelo pai tem mais força. As roupas dela, predominantemente azuis, ressaltam perfeitamente isso, já que essa cor em certas culturas tem significado religioso, relacionando-se à paz e pureza. Nesse ponto, entra a requintada direção de arte: figurinos diversos que dão importância tanto para o filme, quanto para a população da cidade, além do colorido marcante do Circo Internacional Eita.

Apesar de todos esses aspectos positivos, o filme comete erros pelo caminho. Infelizmente, mesmo com as questões mencionadas sobre o roteiro, os problemas estruturais chamam a atenção e afetam o projeto. Parte do segundo ato perde totalmente o tom, criando uma terrível monotonia na trama. Os personagens são bons, mas precisavam de mais profundidade. Fininha (interpretada pela carismática Kelzy Ecard), por exemplo, funciona apenas como uma amiga de Maria. Ela é prejudicada pela ausência de um background adequado que daria justificativa para a sua última fala. Como o foco narrativo está quase que totalmente na protagonista, os outros papéis não são trabalhados com afinco. Além disso, é visível que determinadas cenas beiram muito a teatralidade, destoando da necessária adaptação para o cinema.

Realmente, o grande chamarisco do longa é a própria Lilia Cabral. A atriz, retornando ao papel, pois também estrelou o espetáculo teatral, está totalmente à vontade. O sotaque que criou para Maria, junto da fisicalidade e bons diálogos, dão à personagem um carisma e humor vitais. Quando descobre ter sido usada e tem sua fé abalada pelas mentiras, a emoção do público é verdadeira sobretudo pela atuação de Lilia. Porém, nos minutos finais, o filme coloca na fala dela um discurso que excede o limite dos diálogos expositivos. Assim, perdeu a chance de deixar a mensagem subentendida para o espectador.

Maria do Caritó coloca em seu texto significados além da impressão inicial, tornando-se uma deliciosa comédia brasileira. João Paulo Jabur acerta em vários pontos de sua direção. No entanto, a estrutura narrativa necessitava de ajustes que deixariam o projeto mais consistente, o que também aproveitaria melhor o ótimo elenco.

Crítica | Maria do Caritó
A adaptação cinematográfica ressalta a brasilidade com bom humor e discussões sociais. Porém, a estrutura narrativa falha em determinados momentos, prejudicando o projeto como um todo. O elenco é um acerto, com destaque para o carisma e talento de Lilia Cabral.
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