Crítica | Sobibor

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 24 de abril de 2019

Os horrores da Segunda Guerra Mundial já foram retratados inúmeras vezes em diferentes longas. De O Resgate do Soldado Ryan a Bastardos Inglórios, os eventos que ocorreram entre o final da década de 1930 e a metade da de 1940 foram imaginados e reimaginados com diferentes desfechos, visões e recepções. Tudo isso é fundamental para a nossa sociedade, pois torna o evento acessível para a crescente parte da população que não viveu naquele tempo ou não estudou o tema profundamente. Além de arte e entretenimento, o cinema também é memória, então quanto mais obras retratando esse período sombrio da história da humanidade tivermos, mais ampliamos nosso repertório. Mas quantidade não é qualidade, e quando lida-se diretamente com temas ainda mais delicados dentro desse contexto, como o Holocausto, todo cuidado é pouco. É importante trazer à tona os acontecimentos provenientes desse sistema macabro, só que de forma a respeitar e manter a integridade dos relatos das vítimas. É uma questão que vai muito além do exercício de livre expressão: é um dever cívico, com consequências inimagináveis para a nossa política.

Infelizmente, algumas produções falham em enxergar isso, como é o caso de Sobibor – o representante da Rússia para o Oscar de 2019 (que não foi indicado). O longa, que marca a estreia na direção para o ator Konstantin Khabenskiy, conta a impressionante história de uma rebelião no campo de concentração Sobibor, na Polônia, em 1943. Liderado pelo prisioneiro de guerra soviético Alexander Pechersky, um grupo de insurgentes conseguiu matar onze oficiais nazistas e libertar centenas de judeus das garras do regime (apesar da maioria ter sido recapturada depois).

O que poderia ter sido um poderoso retrato da luta por sobrevivência acaba sendo reduzido a uma grosseira tentativa de provocar o público das mais variadas formas. O filme tenta incluir convenções de diferentes gêneros – como ação, terror, suspense e até romance – em todas as oportunidades que encontra, mas em nenhum momento consegue trabalhar efetivamente o elemento humano ali presente. Quando busca fazê-lo, se contenta com algumas falas dolorosamente expositivas e olhares exacerbadamente expressivos. A tentativa de manipulação emocional aqui é evidente, denunciando uma falta de controle sobre a linguagem cinematográfica e uma certa insegurança quanto ao potencial da história. O primeiro pode ser desculpado pela falta de experiência do diretor, mas o segundo só pode ser explicado por uma insensibilidade grosseira. Isso resulta numa obra “sem noção” no que diz respeito à retratação do sofrimento de seus personagens.

Um dos maiores exemplos disso é como o longa exibe, de maneira enfática e detalhada, as execuções na câmara de gás. A cena em questão consegue ser tão artificial quanto incômoda, talvez pela aparente intenção de apelar para a morbidez. Um caricato Christopher Lambert, no papel de um oficial nazista, presencia o momento com frieza por trás de uma janela de vidro. Sua expressão gélida é realçada pela escuridão à sua volta, entregando uma tentativa de dialogar com o gênero terror. Talvez, se o diretor enfocasse nessa proposta, o resultado teria sido um pouco mais interessante. A chegada no campo de concentração, com um alto-falante fantasmagórico, mostra um apego a esse conceito, que, propriamente trabalhado, poderia traduzir melhor os sentimentos do autor, ao invés de parecer uma tentativa fazer um espetáculo da dor alheia.

Se a intenção era representar o horror de uma execução daquele tipo, poderia ter seguido o exemplo de Spielberg em A Lista de Schindler, que mostra o doloroso processo sem depender da violência gráfica. É um jeito elegante e poderoso de transmitir o desespero das pessoas que passaram por aquelas tenebrosas paredes (se é que o cinema tem capacidade para tal). Evocar um momento tão perturbador já é moralmente discutível, mas mostrar isso de forma escancarada e sensacionalista é de um mau gosto tremendo.

Há outras cenas assim ao longo do filme, como na sequência que envolve carruagens. Essa, em particular, talvez seja a mais bem-sucedida para o diretor, pois ele parece conseguir fazer exatamente o que pretendia: gerar uma espécie de longo e torturante pesadelo. A edição crescentemente rápida intensifica a apreensão do espectador, até chegar numa conclusão extremamente impactante. Logo após, se perde novamente, tentando induzir um romance completamente desnecessário e pouco crível – mas não se pode dizer que, por um breve momento, o diretor não conseguiu se expressar.

O problema é, novamente, a questão da legitimidade de se retratar tanta tragédia descompromissadamente, ainda criando uma composição visual que reforça a opressão sofrida pelas vítimas. Era de se esperar que um filme sobre uma rebelião seria um pouco mais empoderador para as pessoas que escaparam, mas nem a cena da fuga consegue alcançar isso, com um uso constrangedor da câmera lenta. Até a sequência que retrata o confronto direto com os nazistas não funciona, pois é arruinada por uma insistente tentativa de criar suspense (com um uso intrusivo da câmera subjetiva), um gore forçado (há um shot só para mostrar uma cabeça destroçada) e até mesmo frases de efeito pouco articuladas.

Poderia citar diversas outras cenas problemáticas, mas só estaria me repetindo. O ponto aqui é que Sobibor é um filme repleto de decisões moralmente questionáveis e tecnicamente mal-conduzidas. É uma pena, pois a história é importante e tinha muito potencial – só que para qualquer boa história funcionar, é preciso ter uma proposta sólida e uma execução precisa. Se a intenção de Khabenskiy era retratar o sofrimento do povo judeu durante a guerra, ele poderia ter tirado algumas lições de A Lista de Schindler ou O Pianista – e se a intenção era mostrar o combate contra o nazismo, poderia ter aprendido com Bastardos Inglórios – só que é difícil dizer, até agora, o que ele realmente tentou fazer.

Crítica | Sobibor
A história de rebelião no centro de Sobibor é impressionante e deve ser lembrada, mas o diretor Konstantin Khabenskiy não consegue contá-la de maneira objetiva, poética ou minimamente sensível, oferecendo quase duas horas de violência gratuita e diálogos artificiais.
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