Crítica | Tinta Bruta

Escrito por: Pedro Henrique Figueira

em 06 de dezembro de 2018

“O que cada um faz em sua privacidade?”. Essa é uma pergunta que permeia a mente de muitas pessoas, pois o ser humano é bastante curioso e sempre tem algo a ser descoberto. Trazendo essa abordagem com uma proposta bastante ousada e intensa, Tinta Bruta se revela um dos melhores dramas que o cinema brasileiro já produziu. Não é a toa, se tornou o grande vencedor do Festival do Rio 2018.

Na trama, Pedro (Shico Menegat) é um jovem gay que tenta sobreviver em meio a um processo criminal, à partida da irmã e aos olhares que recebe sempre que sai na rua. Sob o codinome GarotoNeon, ele se apresenta no escuro do seu quarto para milhares de anônimos ao redor do mundo, pela internet. Com o corpo coberto de tinta, ele realiza performances na frente da webcam. Mas tudo muda quando Pedro descobre que outro rapaz de sua cidade está copiando sua técnica.

A forma como o longa constrói seu protagonista diz tudo. Pedro é uma pessoa triste e perdida, com dificuldade de interação social. Sem saber exatamente seu lugar no mundo, ele vai aos poucos perdendo ou abandonando as pessoas a sua volta – como mostram os títulos de cada um dos três atos. O apartamento em que vive é uma espécie de prisão, ao mesmo tempo que é o seu lugar de conforto e segurança. Essa ambientação é um dos pontos principais no desenvolvimento da narrativa e do personagem, relacionando temas como preconceito e intolerância.

Por esse motivo, a cinematografia é belíssima de se assistir e essencial para o tom da história. As cores primárias e o neon, destacados pela fotografia, constroem o universo que Pedro vive – que apesar de colorido e parecer vasto, é um grande vazio. O contraste com a paleta de cores cinzenta de Porto Alegre (é feita uma ironia com o nome), deixando a cidade um lugar sóbrio, misterioso e sem vida, demonstra ainda mais as qualidades técnicas do longa. Importante ressaltar a sensacional sequência do garoto de programa, que é uma mistura perfeita de tensão e adrenalina, reforçada pela edição de som.

Os diretores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon fazem um ótimo trabalho, proporcionando uma narrativa erótica mas que em nenhum momento parece vulgar – mesmo com várias cenas de sexo e nudez. Além disso, tudo é muito mais fluido do que foi visto em Beira-Mar – trabalho anterior da dupla. Existem sim alguns equívocos, como a forma que a avó do protagonista, interpretada por Sandra Dani, é apresentada, deixando a personagem perdida na história. E a Parte 2 fica um pouco arrastada em alguns momentos, perdendo a força do filme. No geral, tudo abordado tem relevância e força, principalmente no que diz respeito à comunidade LGBT.

Shico Menegat está admirável no papel, demonstrando todas as emoções de Pedro – a mudança no olhar do ator, em determinado ponto do filme, é bastante perceptível. Ele e Bruno Fernandes, que faz o personagem Leo, têm bastante química em cena, proporcionando ótimas cenas. A relação deles, embalada pela música Cavalo – da dupla Noporn – é construída de uma maneira romântica e sensual.

Tinta Bruta é um drama LGBT cheio de qualidades, entrando na lista de grandes filmes nacionais e relacionados ao tema. Uma história profunda, intensa e emocionante.

Crítica | Tinta Bruta
Vencedor do Festival do Rio 2018, o drama LGBT é cheio de qualidades, tanto técnicas quanto de roteiro, entrando na lista de grandes filmes nacionais e relacionados ao tema. Uma história profunda, intensa e emocionante.
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