Crítica | Operação Fronteira

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 15 de março de 2019

O subgênero “filme de assalto” foi um verdadeiro fenômeno na segunda metade do século passado. A ideia é simples: um grupo de pessoas se reúne para realizar algo ilegal que vai garantir aos integrantes uma vida tranquila. Podemos lembrar de Um Golpe à Italiana (1969), Golpe de Mestre (1973), Fogo Contra Fogo (1994), Onze Homens e um Segredo (tanto a versão de 1960 quanto o remake de 2001) e muitos outros. Se por um lado foi refrescante para o cinema hollywoodiano da década de 1960 mostrar o lado dos “marginais”, por outro acabou alimentando um velho monstro: o da cobiça.

Operação Fronteira, o novo filme de J.C. Chandor, chega na onda de retomada do subgênero, com lançamentos recentes como A Origem (2010), Homem-Formiga (2015) e Logan Lucky (2017). Enquanto todos apresentam suas peculiaridades, que os tornam mais do que uma “glorificação do lucro”, tudo que rondava a produção parecia mais do mesmo. Mas, conhecendo um pouco os trabalhos de Chandor e do roteirista Mark Boal, fica difícil de acreditar que eles simplesmente venderiam entretenimento escapista repleto de senso comum – e, de fato, eles não o fazem.

Operação Fronteira não é exatamente o que os trailers prometem. Aliás, só sua premissa se baseia no assalto, enquanto a segunda metade do longa enfoca nas consequências do ato. As sequências que envolvem a missão, em si, não oferecem nada de particularmente novo ou empolgante (com cenas de ação bem protocolares), mas plantam as sementes para o que está por vir. O que temos aqui é uma espécie de jornada de autodescoberta que problematiza a sobrevalorização do dinheiro. É também uma crítica direta à política que leva interesses individuais à intervenção em outros países, o que pode remeter à atuação de diversos agentes públicos e privados ao longo da história (e na atualidade).

Quanto aos atores da empreitada, o roteiro não consegue introduzi-los de forma tão natural. Tudo soa muito armado, com cada um representando um estereótipo (quando muito, porque alguns quase não deixam uma marca). Evidentemente, isso enfraquece o drama retratado, já que não temos razões suficientes para nos importarmos muito com os personagens. Aliás, eles não são pessoas “boas” (se é que isso existe), mas se sentem injustiçados por um governo que pouco fez por eles e, com isso, se sentem motivados a agir por conta própria.

O personagem de Oscar Isaac é o fio condutor da trama: ele surge com o plano e convence os outros a se juntarem a ele. O ator consegue trazer todo o seu charme e intensidade em favor da construção de um verdadeiro anti-herói de ação. É uma atuação emocionalmente carregada, que garante ao filme o impulso necessário para cativar o espectador.

Apesar disso, a alma do filme é o personagem de Ben Affleck, que coloca em bom uso sua notória “canastrice”, presente em seus melhores papéis. Não é sua sólida atuação que o torna tão central para a trama, mas, sim, o arco de seu personagem e o que ele representa. Não há tanta naturalidade na sua alternância de humor, mas tudo é conduzido de forma que soe minimamente humana e funcional. É a representação física do espírito da ganância, que toma conta de homens fracos e/ou desesperados e realiza atos terríveis e imprudentes.

Quanto aos outros três integrantes, Pedro Pascal se destaca um pouco mais, conseguindo extrair muito de um personagem pouco explorado. Charlie Hunnam e Garrett Hedlund, apesar de talentosos, não conseguem causar tanta impressão com papéis unidimensionais e menos investidos pelo roteiro. Um acaba sendo o cara objetivo e sério, enquanto o outro é um jovem impulsivo e entusiasmado. Infelizmente, nenhum dos dois escapa desses engessamentos.

Se não ficamos pelo estudo de personagens, ao menos há muito espaço para induzir a reflexão sobre os rumos inconsequentes e desumanos que os homens tendem a seguir em nome do “sonho americano”. O diretor cria peças bastante simbólicas e repletas de subtexto, que inevitavelmente nos levam a traçar paralelos com situações que conhecemos. Em sua crítica, Chandor lembra um pouco o que foi feito em Apocalypse NowPlatoon e até mesmo no remake de Bravura Indômita – só que sem o mesmo tom satírico ou sofisticação técnica.

Não que a produção seja de baixa qualidade: a fotografia é elegante (com uma paleta de cores puxadas para o verde) e a sonoplastia é palpável e eficiente, mas não se sente tanta unidade na obra. É como assistir a um genérico e episódico filme de ação, cujo roteiro pediria algo muito mais poderoso imageticamente. Entende-se que Chandor buscou apresentar algo familiar para poder aumentar o alcance de sua proposta, mas nem tudo soa tão estratégico assim. Um desenvolvimento mais orgânico de seus personagens e diálogos mais inspirados só potencializariam o longa. O que poderia ter sido um novo Apocalypse Now (ou ao menos um Guerra ao Terror) acaba se tornando mais uma produção original da Netflix, com uma moralidade mais delineada.

Nada disso, porém, tira a força do texto e a louvabilidade de sua intenção. Se isso bastar para fazer com que as pessoas repensem certas convenções do cinema hollywoodiano e, consequentemente, do mundo em que habitam, Operação Fronteira serviu o seu propósito.

Crítica | Operação Fronteira
O roteiro de Mark Boal e J.C. Chandor é certeiro na crítica à ganância, enquanto a atuação de Oscar Isaac evidencia o seu potencial como (anti-)herói de ação. Por outro lado, as situações não proporcionam tanto engajamento e o elemento humano só funciona na superfície.
3.5

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