Crítica | Velvet Buzzsaw

Escrito por: Jose Gabriel Fernandes

em 19 de março de 2019

O ano de 2014 marcou a estréia do cineasta Dan Gilroy na direção. Seu filme Abutre deu o que falar pela forte crítica à mídia carniceira e pela transformadora atuação de Jake Gyllenhaal. Na sequência, lançou Roman J. Israel, Esq., que também traz uma reflexão importante sobre a ética no trabalho, só que sem o mesmo pulso firme e concisão de seu primeiro filme. O longa encontrou um lugar ao Sol graças à aclamada atuação de Denzel Washington (pela qual foi indicado ao Oscar), mas acabou não sendo muito bem recebido pela crítica. Agora, quase que em reação à recepção pouco calorosa de seu último lançamento, Gilroy nos apresenta Velvet Buzzsaw, através do serviço de streaming Netflix. O longa tem muito a dizer sobre a crítica especializada, mas estende sua indignação a toda indústria cultural.

A premissa envolve a obra recém-descoberta de um desconhecido artista, que ao morrer deseja que suas pinturas sejam destruídas. Uma funcionária de uma galeria, porém, as encontra e é convencida pela sua chefe a comercializá-las. A partir daí, começa a ocorrer uma série de mortes misteriosas envolvendo personalidades da cena artística de Los Angeles.

Até certo ponto, pouco se sabe sobre as motivações, mas – sem querer entregar detalhes da trama – em dado momento podemos perceber o critério do “espírito do artista” para escolher suas vítimas. A escolha revela uma visão condenatória do autor (ou ao menos é o que ele busca retratar) sobre o mercado da arte, onde diversas pessoas desprovidas de talento lucram em cima da expressão de alguns. Claro que isso poderia ser entendido como uma crítica ao mercado como um todo, mas ele o faz através de um assunto no qual (aparentemente) tem mais propriedade.

As cenas envolvendo as fatalidades, em si, são bastante apelativas, pois sempre envolvem alguma instalação artística ou elemento relacionado. Lembra um pouco a proposta da franquia Premonição, só que centrada no mundo das artes. Porém, mais do que puro entretenimento mórbido (proposta com a qual não me simpatizo tanto), as mortes do filme são importantes pela forma como movimentam a trama. A cada perda, nos perguntamos como isso vai afetar os outros personagens, já que há uma relação de competição e/ou mutualismo muito intensa entre eles, que passa a nos intrigar, já que Gilroy consegue nos inserir completamente naquele universo. Ainda que a maior parte das figuras retratadas não sejam tão aprofundadas ou realistas, sabemos que servem como “tipos ideais”, representando uma situação real com ambições muito críveis.

O único que, de certa forma, escapa da bidimensionalidade é Morf, personagem de Jake Gyllenhaal que serve como uma espécie de protagonista (apesar de Velvet Buzzsaw não ser especificamente sobre ele). Não à toa, ele é um crítico: uma pessoa que não chega a ser um artista, mas também não é um mercador. Isso o torna especial, pois não se sabe até que ponto ele tem suas mãos sujas (segundo o autor). Por um lado, ele coloca visões e interesses pessoais sobre a integridade de seu trabalho, o que não o torna inocente. Mas, por outro, ele genuinamente aprecia as obras de arte, graças ao conhecimento que tem no campo. Isso o coloca à frente do mistério, mas não de forma distanciada e calculista, como um detetive. Ele tem um interesse direto na resolução do caso e, se possível, numa reparação, já que sua vida e as das pessoas com quem convive dependem disso.

A atuação de Gyllenhaal consegue passar a complexidade do arco do personagem. De início, ele também segue a linha caricata, encarnando o estereótipo do crítico exigente e cerebral. Mas à medida que vai percebendo no que se meteu, sua segurança e soberba abrem espaço para a obsessão e, aos poucos, o desespero. Toda essa montanha russa de emoções se torna palpável na performance de Gyllenhaal, que nunca fica descaracterizada em relação ao que foi estabelecido, só ganha mais camadas, tornando o personagem mais humano. O resto do elenco também está bem, mas seus papéis não possuem tantas nuances quanto Morf. Dentro dessa limitação, Toni Collette se destaca como a também caricata e ambiciosa Gretchen.

Quanto à direção de Gilroy, este talvez seja o seu trabalho mais vistoso, com uma variada gama de instalações artísticas que permitem uma atmosfera altamente excêntrica. Ainda assim, o longa se beneficiaria com uma fotografia um pouco mais inspirada, explorando mais as diversas cores e luzes do ambiente. Tudo é muito visualmente chapado, se assemelhando a uma produção corriqueira de TV. Isso reduz um pouco a força do filme como um todo, mas o texto ainda faz valer a experiência. O roteiro traz o (já característico) moralismo de Gilroy, com um pouco da acidez que foi perdida depois de Abutre. O fato de tudo isso estar presente na forma de um terror slasher torna a proposta muito mais ousada e – para os fãs do subgênero – acessível.

Apesar das duas horas de simbolismos fortes e críticas contundentes, a parte mais significativa do longa é a cena que acompanha os créditos finais, onde ele estabelece o filme como uma espécicie de ode à inocência e à pureza da classe artística. Concordando ou discordando de sua visão, é sempre fascinante quando um cineasta consegue apresentar, com desenvoltura e engenhosidade, seus sentimentos mais particulares. Velvet Buzzsaw é a prova definitiva de que Dan Gilroy sabe fazê-lo.

Crítica | Velvet Buzzsaw
Velvet Buzzsaw é tão relevante quanto divertido, apresentando opiniões contundentes quanto ao mercado das artes em forma de terror slasher.
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